

Ninguém o diria. Apreciados como neste momento é possível, apenas de relance, os olhos do homem parecem sãos, a íris apresenta-se nítida, luminosa, a esclerótica branca, compacta como porcelana. As pálpebras arregaladas, a pele crispada da cara, as sobrancelhas de repente revoltas, tudo isso, qualquer o pode verificar, é que se descompôs pela angústia. Num movimento rápido, o que estava à vista desapareceu atrás dos punhos fechados do homem, como se ele ainda quisesse reter no interior do cérebro a última imagem recolhida, uma luz vermelha, redonda, num semáforo. Estou cego, estou cego, repetia com desespero enquanto o ajudavam a sair do carro, e as lágrimas, rompendo, tornaram mais brilhantes os olhos que ele dizia estarem mortos.
" (Ensaio sobre a cegueira - José Saramago)
Estreou esta semana no festival de Cannes o longa Blindness, dirigido por Fernando Meirelles. O Filme, baseado no romance do escritor português em epígrafe, pode vir a ser mais um sucesso de público, de crítica e de prêmios como foi Tropa de Elite? As primeiras reações da crítica especializada apontam que não ("Blindness" começa com pé esquerdo). Talvez o próprio diretor já saiba que enfrentará resistências a sua proposta.
Antes mesmo de editar a versão definitiva, Meirelles teve de se curvar aos "conselhos" dos produtores e distribuidores de Blindness. Os detalhes da seqüência de reuniões e cortes foram narrados pelo diretor brasileiro em um blog: Diário de Blindness, numa espécie de cicatrização pública das feridas causadas no curso de uma produção cinematográfica.
Seja qual for o resultado final das premiações e da aceitação da crítica e do público, Meirelles estará preparado e, espero, possa nos contar no seu diário como se sente um diretor diante do sucesso ou do fracasso de um filme.
Um comentário:
Eu li sobra a quantidade de cortes que o filme recebeu (uns 10!)
em test screenings( exibição para avaliação..)...
Que exemplo de platéia hein..
Moralismo máximo.
Muito bom o post!!
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